Mas, falemos do jogo e da heroica participação de Diadema. Mesmo tendo ido para a partida com 8 garotos, não podemos desconsiderar o impressionante fato desses atletas terem se superado como poucas vezes vi um grupo fazer.
Cotia, que está disputando o Campeonato Paulista Adulto Masculino nesse ano e cuja equipe base é o próprio plantel da categoria júnior, tem levantado excelentes resultados contra equipes de tradição. Perderam da forte equipe do São Caetano por 9 gols e da tradicional Metodista por apenas 6 gols. Na Copa Estadual, fizeram um placar de, inacreditáveis, 65 a 3 contra Poá. Talvez, todo esse recente histórico de Cotia tenha assustado um pouco nosso grupo, o que fez com que entrassem em quadra cabisbaixos e pouco confiantes.
Cabe aqui um comentário. O handebol tem me dado várias lições. Tenho aprendido muito com elas. Uma dessas importantes lições é a de que entre equipes cujo nível técnico, de conhecimento, de treinamento e de organização são muito diferentes, o resultado inevitável estará do lado da equipe que reunir essas características. Se as equipes se equivalem nessas características, o valor dado à preparação emocional, ao estudo do adversário, à exploração tática nas variáveis do jogo e ao poder decisão de atletas acima da média determinará o vencedor. Então, mesmo reconhecendo a superioridade de outra equipe, lutar sem esmorecer e jogar o handebol no máximo de nossa condição são responsabilidade de cada jogador e dos valores trazidos com cada um de nós.
Ser digno na derrota e na vitória. Aí, nesse terreno imperceptível de disputa, nenhum resultado é maior do que a disciplina (não falo só da disciplina técnica e tática durante o jogo, mas de uma disciplina que mostra o valor do que sabemos e do quanto estamos dispostos a mostrar isso em quadra e fora dela), do que o respeito ao adversário que joga melhor, do que a ética diante de momentos complicados em que nos expomos ao contato ou quando não nos conformamos com os erros, bem como do reconhecimento nem sempre fácil da superioridade da outra equipe. Se queremos algo, temos que entender que não se chega ao topo sem esforço, de paraquedas.
Basta fazermos uma insistente e profunda reflexão do quanto ainda queremos avançar, do quanto ainda estamos dispostos a tentar, do quanto iremos nos sacrificar para chegarmos até onde nos propomos. Não basta dizermos: “Quero me tornar um atleta da Seleção Brasileira”. Temos de reunir - dada a realidade da modalidade - as características físicas favoráveis; a habilidade sempre treinável e passível de aprimoramento; a visibilidade de um clube que nos permita aparecer para quem detém o poder de escolher os jogadores; a inteligência de um jogador que decide bem sob momentos de complexa desvantagem e que reúne as qualidades de um bom jogador tanto defensiva quanto ofensivamente. Além disso, deixei por último, o que vejo como principal fator e que garante o sucesso e o diferencial de um atleta:
sua capacidade de se manter focado nesse objetivo durante toda sua vida esportiva, de não se desvirtuar ou se perder com tantas outras falsas promessas e repetidas desilusões.
Geralmente, o atleta com essa capacidade, é o atleta que podemos ver sempre aplicado ao treinamento; o atleta que escuta, tenta executar e melhorar a cada chance que tem; o atleta que encara cada desafio por maior ou menor que seja, com a mesma determinação, com o mesmo esforço, sem se melindrar com os fracassos. Esses atletas são raros... E essa formação que devemos querer alcançar como atletas e como pessoas.
E
m alguns momentos, como os do jogo contra Cotia - não obstante, as indefinições e hesitações -, nossos atletas têm mostrado traços dessa determinação tão importante. Um jogo que começou sem vigor, sem entusiasmo. Desconsolados que estávamos com a derrota inevitável, jogávamos nos primeiros dez minutos, como se uma obrigação das mais severas tivesse sido imposta a nós. A diferença no tamanho, na força, na disposição tática era tamanha que nossos garotos transferiam isso automaticamente para o empenho que imprimiam dentro de quadra. No início da partida, eu não tinha dúvida de que perderíamos desonrosamente. Mas, algo foi sinceramente mudando dentro deles no decorrer da partida. Na hora do arremesso, eles eram desequilibrados no ar. Com a mesma força que nossos garotos vinham em direção ao gol, uma reação defensiva dos adversários dobrada no ímpeto se dirigia contra os garotos. Assustaram-se. Cinco minutos de jogo e mais de 4 interrupções de jogo já tinham sido dadas para socorrermos nossos atletas. A mais grave do Wellington que, também desequilibrado no ar, caiu sobre a mão esquerda e permaneceu no chão, sentindo muita dor. Quando o Wellington fica no chão é porque algo grave ocorreu. Mesmo assim, ainda continuou até o final do primeiro tempo fazendo de tudo para ajudar os companheiros. Voltamos com um a menos na linha. Guilherme fez as vezes de atacante e defensor: jogou bem e não comprometeu o jogo. Deu até mais esperança a nós.
No primeiro tempo, não conseguiam, os garotos, arremessar de forma eficiente. Um engajamento sem objetividade deu a tônica de um ataque fraquejante quase o tempo todo. Fiquei meio desesperado porque sabia que estavam jogando bem menos do que podiam jogar. Eduardo se escondia no pivô; Luiz errava demais os arremessos; Márcio começou a partida desatento na recepção e na colocação defensiva, o que permitiu um número enorme de arremessos bem sucedidos do ponta esquerda de Cotia; Japa pouco recebia a bola e quase nada pôde fazer. Depois da lesão do Wellington, veio para o centro e conseguiu fazer com que a equipe imprimisse um pouco mais de velocidade. João Pedro, de armador esquerdo, também não conseguiu desempenhar o que podia e havia treinado no dia anterior em que a velocidade do seu deslocamento e a rapidez das fintas e ações de passe o diferenciaram.
Fomos para o segundo tempo. Por mais que dissesse a eles que o resultado não era importante, eles é que deveriam incorporar essa mensagem e agir de forma mais leve, mais alegre. Pedi um jogo em profundidade com o pivô e uma circulação mais constante dos pontas como segundo pivô a fim de tentarem evitar um contato muito violento dos armadores em deslocamento com a defesa, que agora teria que se preocupar muito mais com os pivôs colocados ao lado do marcador lateral e no centro. João Pedro achou o seu jogo e fez assistências magníficas para o pivô, liberou-se para o arremesso e conseguiu imprimir um diálogo melhor com o ponta e o centro. Eduardo no centro teve a tranquilidade para fazer seus arremessos precisos em primeira passada sob o bloqueio dos dois altos marcadores centrais de Cotia. Luiz, com suas fintas mais precisas, conseguiu encontrar os espaços necessários para chutes certeiros. Japa teve que se sacrificar na ponta direita, mas atuou de forma irrepreensível na defesa, roubando bolas e fazendo uma marcação individual eficiente nos momentos em que foi requisitado para tal tarefa. O jogo dos garotos se soltou. Leonardo também se machucou em um dos lances mas, para nossa sorte, conseguiu manter-se firme durante o restante do jogo, atuando até melhor do que no primeiro tempo.
Agora sei. A atenção do goleiro, a difícil arte de defender e agir praticamente sozinho durante o jogo, depende fundamentalmente dessa confiança do grupo e do seu empenho e vontade de querer ganhar. De uma forma ou de outra, o espírito dos jogadores de linha determinam a ação dos goleiros. O contrário também é verdade. Não para esse jogo. A virada foi dada pelos jogadores de linha que perceberam o quanto puderam igualar o jogo em competitividade.
Mesmo sem o Wellington, nós revertemos o jogo. Se, no primeiro tempo, o placar mostrava uma diferença de 14 gols; no segundo tempo, jogando de modo mais consistente, acabamos ganhando por uma diferença de um gol. Perdemos de 13 gols o jogo, mas saímos - ao menos, foi o que senti - vitoriosos nessa postura, no comprometimento e por mostrarmos que temos jogadores talentosos.
Como não se encantar com isso? Como não dar valor, agradecer, por termos garotos tão honrosos e talentosos? Como não perder o fôlego e surpreender-se diante do fato de que são poucos os momentos em que tudo o que fazemos pode nos encher tanto de sentido como foi constatado ao final da partida?
Quando Cotia começou a rodar seus jogadores, percebemos que tirando os sete que iniciaram a partida, o padrão deles diminuiu e igualamos um jogo, em princípio impossível de se ganhar. Percebemos que reunir tantos garotos de talento é algo realmente difícil e que devemos nos sentir privilegiados por fazer parte de um grupo que transforma o obstáculo em desafio a ser transposto. E nossos garotos, com o talento que possuem e a vontade que demonstraram em quadra, conseguiram isso. Sinto-me orgulhoso desses jogadores que estiveram atuando contra Cotia. Guardem esse dia na lembrança de vocês. Não tenho dúvidas de que se tivéssemos o grupo completo para o jogo, faríamos uma exibição ainda melhor, um dando apoio ao outro da forma vibrante como sabem fazer.
Não estou falando dos herois dos quadrinhos com seus superpoderes e suas ações irrepreensíveis. Falo de um valor conquistado na experiência dos dias e testado no conflito, na dificuldade. No momento em que tudo poderia dar errado, eis que se conquista esse mágico toque que garante a diferença. Falo do atleta comum que, se exigido no limite, se tocado em seu brio e paixão, se transforma e é capaz de passar por cima de todas as predeterminações de juízo e fazer seu próprio caminho. Falo do atleta que faz de cada momento seu na quadra uma extensão daquilo que pulsa e vibra dentro de si. Aquela força que, incapaz de conter-se, extravasa-se. O que antes era limite, fronteira, ora se transforma em horizonte. Tudo pode se ver a partir desse raio que corta o momento, que destroi o medo e impulsiona o grito contido; que faz um gol valer mais de dez.
O atleta se consagra para si mais do que para os outros. Porque só ele, lá no fundo, sabe o quanto representa cada segundo dessa conquista pessoal, dessa marca. Uma marca sem sentido para a maioria - pois, no nosso caso, não resultou em vitória no placar -, mas um sinal de uma mudança, um sinal da incorporação, da aquisição de coisas impalpáveis, invisíveis. Será esse presente, forjado no calor de uma batalha honesta, justa e bonita, uma espécie de porto seguro, de cofre secreto, que acalentará a alma do atleta em seus momentos de dificuldade.