domingo, 20 de novembro de 2011

A diferença entre ser o melhor e ser privilegiado. Ou de rios que não encontram o mar.

Tenho assistido a muitos jogos de handebol nos últimos dias. Minha profissão exige. Mas se fosse só pela profissão, acho que não assistiria a tantos. Movo-me pelo que tende a disparar, dentro de mim, aqueles picos de arrebatamento, os clarões que desintoxicam as paredes duras de artérias que vão se acostumando a só viverem de pressões desnecessárias, de brigas repetitivas e monótonas.

É assim que vou vendo escoar a vida. Um realimentar contínuo de sonhos que se perdem, de outros que se renovam. Vejo atletas reunidos pela simples vontade de extravasar e mostrar talentos que logo ali na frente serão desperdiçados. Aqui, no Handebol, o escoadouro é mais forte que a nascente e um rio que percorreria quilômetros antes de encontrar o mar, acaba secando nos desfiladeiros e nas areias quentes. Vejo atletas que se vangloriam por pertencer a uma elite minguante ostentando ares de majestade. Governam para ninguém. Sentam em tronos de pó. Vejo os mesmos atletas acostumados com as mesmas decisões, de placares quase iguais e de festejos semelhantes. Vejo dirigentes e técnicos imaginando que estar acima "na tabela" é estar acima de alguém. Não é.




















Por isso é que tenho visto muitos jogos. Ainda procuro os olhares felizes com os sonhos permitidos, os destemperos reincidentes, as vontades recalcitrantes. Ainda procuro os prazeres despretensiosos. Quase não os acho. Mas ainda os há. Eles aparecem num lance qualquer, inesperado, sem importância aparente. Ou num jogo decisivo também. Aí, esse destempero heterogêneo, indisciplinado mas objetivo, destoante e intenso, surge e faz reviverem as esperanças de uma terra quase feita de pó.

O handebol, nesse pequeno momento, ressurge mostrando a todos que o errado não é o que acontece na quadra, mas o que antecede e o que ultrapassa tudo isso. E, ora, estamos lá para ver, prestigiar, o melhor dos mundos, aquilo que faz a gente querer voltar, querer continuar, querer torcer.

Mas o momento da quadra, do jogo tem sofrido com a incompetência continuada que mina o Esporte e o faz sair derrotado; tem sofrido com políticas públicas que se preocupam com resultados sempre instantâneos; tem sofrido, enfim, com uma estrutura que desprivilegia os amantes, os aficionados e, sobretudo, aqueles que vão se perdendo porque não encontram chances de mostrarem ou continuarem mostrando seus talentos, esculpidos com longos sacrifícios nas categorias de base dos mais diversos campeonatos, dos "mais" importantes e dos "menos" visíveis...


Vejo muitos jogos, empolgo-me com poucos. Brasil e Argentina no Pan não me revirou o estômago como gostaria. Não, lá jogaram poucos de verdade, outros se alimentaram de sua egolatria e se devoraram a si mesmos enquanto jogavam seu handebol. No Brasil, muitas vezes, se confunde a ideia de ser o melhor com a noção equivocada que cultuamos de estar entre os privilegiados nisso ou naquilo. Olho, sobretudo, para os que são os melhores mesmo estando entre os desprivilegiados. Uma competitividade justa se dá quando aumentamos a chance de quem está do lado de fora, incluindo-o, ou dando a chance do desprivilegiado se incluir. Se não seremos obrigados a vermos secarem os estoques de talento que insistem em brotarem dos chãos mais ásperos e quentes.

Bem, vejamos.

Há algum tempo me deparo com o fato de que uma imensa quantidade de atletas maduros nas informações acumuladas e no talento despertado são obrigados a pararem sua iniciante carreira porque não conseguem espaço para treinar em clubes estruturados. Temos produzido, bem ou mal (e meu palpite é que é mais para mal do que para bem) novos atletas em número razoável. Mas não tem havido uma correspondência mínima na abertura de novos clubes, novas propostas ou novos investimentos.

Resultado: 21 anos é o aniversário da morte de muitos para o esporte. Continuar é impossível. Sobrevive quem assim? O esporte morre apesar dos campeonatos continuarem acontecendo.

Sempre ouvimos e reproduzimos que o Esporte é excludente, que ele é a ponta de lança de uma sociedade injusta que premia só os melhores, só os campeões ou, que, aplaudindo pretensos teóricos, arbitrários críticos de realidades não vividas, erram o alvo ao atacarem por trás o capitalismo que pretendiam ferir. Esquecem-se dos modelos ainda vigorantes de Esporte, vide a atuação de Cuba no último Pan-Americano realizado em Guadalajara  Será, então, que o Esporte é excludente mesmo? Não em alguns países. O Esporte precisa ser pensado como parte de uma sociedade que visa diminuir injustiças, de valorizar pessoas, coroar esforços, prestigiar a festa, o congraçamento!


Pra resumir: o Esporte é excludente na medida em que se pensa na medalha como fachada, como panaceia, como desculpa para continuar jogando para baixo do tapete essas mesmas injustiças que se asseveram com a vitória.

Nenhum comentário: